Livro em que Sidney Magal relata fatos, casos e curiosidades dos 67 anos de vida e 50 de carreira oscilante, cujo marco inicial são as apresentações regulares feitas em programas de TV de 1967 pelo então adolescente cantor carioca, Muito mais que um amante latino é escrito na primeira pessoa. É autobiografia que expõe já na capa o nome da real autora, a escritora Bruna Ramos da Fonte, que colheu e organizou os depoimentos, dando forma ao livro recém-lançado pela editora Irmãos Vitale.

A leitura é fluente. Contudo, Magal traça perfil muito generoso e raso de si mesmo. O livro retrata o carioca Sidney Magalhães como ser humano simples e sempre sincero. Nas entrelinhas, contudo, é possível identificar um artista vaidoso e por vezes até narcisista – traço natural e até previsível em cantor que viveu o auge artístico escorado na sensual imagem cigana esboçada pelo próprio Magal no período pré-fama em que cantou na Europa, em 1972, e posteriormente burilada por Robert Livi, argentino que tentara entrar como cantor no reino da Jovem Guarda e que, naquela época, em 1976, já se tornara produtor e empresário bem-sucedido.

Magal reconhece toda a importância que Livi teve na construção e propagação da imagem cigana que alçou o cantor ao posto de ídolo brasileiro no período de 1976 a 1979 em escalada iniciada com a edição do compacto de 1976 que trouxe a gravação original da música Se te agarro com outro te mato, versão literal em português de Si te agarro com otro te mato (1975), sucesso do cantor e compositor argentino Cacho Castaña. Boa parte das 376 páginas do livro Muito mais que um amante latino é justificadamente ocupada pelo relato de causos daqueles tempos gloriosos, como a derrubada literal da parede de shopping center da cidade de Salvador (BA) para que Magal pudesse escapar da voracidade da multidão que ansiava tocar no ídolo.

Ao mesmo tempo em que reconhece ter atravessado períodos crepusculares na trajetória profissional, sobretudo na década de 1980, Magal parece sem vontade de esmiuçar as reais razões dos fracassos. O cantor critica (com toda razão) a iniciativa precipitada de diretores da gravadora Polydor de transformá-lo em cantor romântico, sem o visual cigano, em rejeitado álbum de 1980, intitulado Sidney Magal. Mas parece esquecer de contar que o terceiro álbum na linha cigana, O amante, lançado em 1979, fracassara, sem emplacar um único sucesso.

A rigor, toda a mítica em torno do cantor foi construída pelo hits de dois álbuns, Sidney Magal (1977) e Magal (1978). Do primeiro, saíram sucessos como Meu sangue ferve por você (Melody lady / Mélancolie) (Freddie Neyer e Jack Arel em adaptação de Claude Carrère e Katherine Pancol, 1973, e versão em português de Serafim Costa Almeida, 1977) e Amante latino (Rabito, 1973, em versão em português de Antônio Carlos, 1977). Do segundo, veio Sandra Rosa Madalena, a cigana (Miguel Cidras e Robert Livi, 1978), música que consolidou a imagem gitana de Magal.

Por iniciativa do produtor Max Pierre, o cantor voltaria às paradas em 1990 com Me chama que eu vou (Torquato Mariano e Cláudio Rabello), música gravada na onda da lambada que foi parar na abertura da novela Rainha da sucata (TV Globo, 1990). De todo modo, a personalidade artística de Magal foi moldada na segunda metade dos anos 1970 com tal força que, por mais que ele tenha virado ator por questão de sobrevivência artística, o fato é que, aos olhos do público, Magal ainda continua sendo aquele rebolativo amante latino vestido com calças justas.

Na autobiografia, cuja narrativa é entrecortada por depoimentos de nomes como o ator Gabriel Braga Nunes (que relata o fascínio exercido por Magal na infância dele, Gabriel), Magal tenta mostrar outras facetas. Fala da família – enfatizando o caráter transcendental do amor que teve à primeira vista quando conheceu em 1979 aquela que seria a primeira e única esposa de Sidney, a baiana Magali West – e da relação edipiana com a mãe possessiva, Sônia. Curiosamente, Magal parece mais preciso e profundo ao perfilar a mãe temperamental do que a si mesmo.

Para quem conhece apenas superficialmente a história profissional do artista, o livro revela curiosidades como as fracassadas tentativas de se lançar como cantor, com nomes artísticos como Sid Sonny e Sidney Rossi, a saga como crooner de churrascarias e o show feito em 1975, um ano antes da fama, na cidade do Rio de Janeiro (RJ) com o repertório do compositor carioca Carlos Alberto Ferreira Braga (1947 – 2006), o Braguinha, ao lado do Quarteto em Cy, do MPB4 e da cantora Elizeth Cardoso (1920 – 1990).

Tão fluente quanto superficial, mesmo quando aborda o suicídio de namorada que o cantor conhecera na Europa, a narrativa do livro Sidney Magal – Muito mais que um amante latinotem consistência mais próxima de alentado perfil jornalístico do que de um relato mais denso de autobiografia. Tanto que, no terço final do livro, Magal praticamente se limita a expor filosofias de vida em vez de detalhar mais os caminhos recentes da improvável saga de um artista que, somente com meia dúzia de sucessos, consegue sobreviver no imaginário brasileiro na figura caliente e cigana do amante latino-americano. (Cotação: * * 1/2)

(Crédito da imagem: Sidney Magal em foto de divulgação. Capa do livro Muito mais que um amante latino com Sidney Magal em foto de J.R. Duran)